22 outubro, 2006

Francis Gomes

Os dois seres que habitam em mim

Quando eu penso em você
Sinto dentro do meu ser
Dois seres entrarem em combate.
Um é lúcido e coerente,
O outro é louco inconseqüente,
E assim vou vivendo este contraste.

Um segue as regras da lei, os mandamentos.
O outro as quebra em pensamento,
Pelo incontrolável desejo de tê-la.
Enquanto um te quer tão loucamente,
O outro é simples e inocente,
E treme de medo só em vê-la.

Confuso eu chego até pensar...
Se eu pudesse ter-te sem te tocar,
Talvez fosse bem melhor assim.
Teria eu o que tanto quero,
Você igualmente como eu espero,
Se quisesse também teria a mim.

E para comigo cometo um delito.
Vivendo o meu “eu” este conflito,
Que transcende o meu próprio entendimento.
Quero a todo custo você que ainda não tenho,
Por outro lado eu muito me empenho,
Para não tê-la sequer no pensamento.

No entanto um de mim só pensa em ti,
O outro coitado tenta fugir,
Das loucuras que eu venha cometer.
Se este conflito durar por mais um pouco,
Ou eu faço um acordo com estes loucos,
Ou te esqueço antes de enlouquecer.

Se é que eu já não estou enlouquecido,
Querendo este amor que é proibido,
E causa um conflito no meu ser.
Se apenas um de mim não te esquece,
Imagina se o outro também quisesse...
Certamente eu morreria por você.

Francis Gomes




Também sou gente

Não sou um cara letrado
Uso um palavreado,
Que o povo simples conhece.
Comigo não tem frescura
Falo a realidade pura
Quem não gostar que se estresse.

Alguns por serem formados
Com alguns livros publicados,
Acham-se superior,
Construtores de mentiras
Não aceitam que um caipira,
Também seja um escritor.

Eu falo sem ter vergonha,
Se não posso ser montanha,
Sou uma pedra no sapato.
Mas eles querem que eu morra,
Seja um atleta e não corra,
Apanhe e fique calado.

Eu vejo a morte de perto,
Quero lá saber se é errado ou certo,
Falar da minha desgraça.
Sou tratado como um bicho
Me alimento de lixo,
E durmo em banco de praça,

Me chamam de vagabundo,
Pé inchado, porco imundo...
_ porque não vai trabalhar-?
Bêbado pela a esquina
Coloca a culpa na sina,
Tem mesmo é que se ferrar...

Mas eu vou fazer o que?
Eu nunca aprendi ler,
Trabalho ninguém me dar.
Mas imagine você,
Não tenho nem pra comer,
Como é que eu vou estudar?

Escola eu não conheço,
Faculdade eu desconheço...
Só vejo os outros falar,
O que eu passo é desumano,
E o direito humano,
A onde diabo ele estar?

Febem de Tatuapé,
Cadeião de Sumaré,
Pode ver, ta tudo lá.
Bandidos eles defendem,
Mendigos pra eles fedem,
É ou não é de lascar?

Este é o nosso regime,
Se o cara comete um crime,
Tem o estado pra cuidar,
Enquanto é negligente,
Matando o povo inocente
Porque não querem ajudar.

E querem que eu me cale,
Morra e nada fale,
Afinal, lixo não fala...
Mas eu sou lixo orgânico,
Daquele que causa pânico,
E a nação se abala.

Por isso eu falo, falo e falo...
Morro e não me calo,
Sou mesmo um bicho,
Daqueles que tudo come,
E pra não morrer de fome,
Precisa viver do lixo.

Restos de comidas, peixes crus,
Disputo com os urubus,
Vira lata, varejeira, em fim;
Onde o dinheiro domina,
O que o homem abomina,
É o que sobra pra mim.

Hei, sou pobre, sou desprezado,
Vivo por ai largado,
Sou mais um sobrevivente.
Sei que pareço com um bicho,
Me alimento de lixo,
Mas lembrem, também sou gente.


Francis Gomes

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sobre choro e nó na garganta

Trecho do livro "Dente-de-leão: a sustentável leveza de ser" - Escritor Sacolinha