18 novembro, 2006

Cordel

Malandro

Eu, um cearense arretado
Analfabeto, acanhado,
Que mal aprendi ler.
Com o meu primo Evandro,
Fomo da uma de malandro,
Veja onde fui me meter.

Morando no Ceará,
Num sabia nem falar
A num ser a língua da gente,
Num é que seja esquisita,
Prá quem num conhece complica,
É um tantim diferente.

Cumode, pro mode, pro donde,
Prá quê, pro quê, pra donde,
E querendo aprender gíria.
Eu e o primo Evandro,
Ainda se achava malandro...
Falando estas arezia.

Era coisa de família,
Fazendo tanta estripulia
Ainda dava uma de valente.
Com uma peixeira na mão,
Prá arrumar confusão,
Era só mexer com a gente.

Por exemplo, meu avô,
Nunca pediu, por favor,
Vivia arrumando intriga,
Ô bichim tu venha cá,
Num vem não é, vá se lascar,
Pronto, já arrumava outra briga.

Papai dizia lá em casa,
Formiga que cria asa,
Procura o que num perdeu.
Apois bem, chegou a hora,
Que eu resolvi ir me embora
Levando o Evandro com eu.

Nontonse fomo pro Rio, de Janeiro,
Trabalhemo um mês inteiro,
Só pra entrar pelo cano.
Eu e o Evandro, analfabeto,
Fomo da uma de esperto,
Numa boate de americano.

Falando um tal de: corta essa,
Ai mano, eu tô nessa,
Manda ver. Qual é a tua?
Tô de boa, tudo em cima,
Vou descolar uma mina,
Prá da um role na rua.

Sem carro, prá começar,
Peguemos um táxi até lá,
Paguemos uma grana infame.
E logo ao ir chegando,
Vi num letreiro piscando,
Ameriacan’s drinks, wel come.

Já fiquei meio cabreiro,
Vendo naquele letreiro,
Dizendo que well come.
Vala meu Deus do céu,
Quem diabo é este well,
Que está com tanta fome!

Em uma porta de vidro,
Tinha um nome escrito:
Push, enter, and have fun.
Enquanto eu estava puxando,
Chegou uma bichinha falando:
Excuse-me, excuse-me honey.

Dei-lhe uma bofeta,
Que ela caiu sentada,
-Help me, help me please.
Mas num tem mermo que apanhar,
Pois queria me agarrar,
Ainda pergunta o que fez.

Eu já todo apoquentado,
Chegou outro apalermado:
Excuse-me guy, thenk you.
Sujeito mal educado,
Vá você seu desgraçado,
É esta a educação do sul?

Apois veja seu menino,
Ainda dizem que nordestino,
É quem num tem educação.
Um sujeito bem trajado,
Até bem aparentado,
Me falando palavrão.

O Evandro nesta hora,
Me chamando prá ir embora,
Se borrando como nunca.
Com toda minha educação,
Eu falei agora não,
Vou entrar nesta espelunca.

Sem esta de meia volta,
Dei um empurrão na porta,
E acertei sem querer.
Num era prá puxar,
O tal push, é empurrar,
Mas como eu ia saber?

Rapaz, mas quando eu entrei,
Num vou mentir, me assustei,
Quase que me mijava.
Era uma papagaiada,
Eu num entendia nada,
Que aquela gente falava.

Excuse me, sorry, I don’t know,
Bye, good -bye, let’s go,
Good, nice, beautiful, em fim,
Olhei pro Evandro, ele falou pra eu,
Bichim será que nós morreu,
E tamo no inferno junto com o coisa ruim.

Uns bebendo, outros fumando,
Quase nus se agarrando,
Eu pensei: estou lascado.
As pernas aquela tremedeira,
Já preparando a carreira,
Chegou alguém do meu lado.

Como quem fala escondido,
Cochichando em meu ouvido,
Do you have yorkut?
Oxente ! mas será que é um vicío?
Todo mudo só quer isso?
Já fui cobrindo no chute.

Dois sujeito forte e alto,
Por sinal muito educado,
Me deu uma mãozada,
Derrubou eu e Evandro de uma só vez,
Gritando, are you crazy?
E me jogou na calçada.

Sem entender nada e quase mouco,
Sai correndo igual louco,
E o Evandro? Também.
Dispois dessa, nunca mais eu e Evandro,
Fomo da uma de malandro,
Nem arrumar briga com ninguém.


Francis Gomes, é presidente
da Associação Cultural Literatura
no Brasil.

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