02 junho, 2006

Pezão

Doce pimenta do reino
(Crônica de Marco Pezão)

Na madrugada ouço caminhões chegando pra montar a feira. Feira livre de infância. A nona Maria que as sextas feiras me fazia de braço pro carrinho puxar. Junto ao meu pai, aos domingos, carregando as sacolas com as compras da semana.
O cheiro de café moído na hora remonta lembranças. Na época, não havia as embalagens de agora. Os supermercados vieram depois. Somente empórios ou “vendas”, como diziam. A feira livre concentrava o melhor e mais variado comércio alimentício, além de roupas e sapatos.
Quem se lembra quando não havia óleo de soja? Somente óleo de amendoim, algodão, oliva, em latas quadradas? E o óleo engarrafado em litro? A feira livre me desperta gosto. Gosto de ir à feira. A patroa diz amém.
Paciente, atravesso a extensão olhando os produtos em oferta. As barracas de verduras e legumes. Tomates vermelhos maduros, ideais para o saboroso molho da macarronada.
Berinjelas negras, polpudas, às vejo recheadas ou fatiadas, em camadas levadas ao forno. E os pimentões verdes estufados com recheio preparado com miolo de pão, salsinha, alixe, e, depois de fritos, assim, não resisto ao pecado da gula. Escolho alguns, inclusive os vermelhos que se transformam em tiras na composição da salada.
Alcachofras, nada me apetece mais do que tirar as pétalas, e, molhadas no tempero, são o verdadeiro bem me quer.
O coro dos feirantes, o falatório, a pechincha, os peixes. Brócolis, couve flor, couve manteiga. Agrião, alface, chicória, tantas verdes folhas deliciosas.
As frutas, o cheiro das frutas. Cores compondo longas bancadas. Laranjas, mixiricas, uvas, pêras, abacaxis, melões, bananas, maçãs, quantas variações em formas de alimentos; como é rico o solo brasileiro, meu Deus.
Mãos plantam, cuidam, colhem, transportam e expõem. Atrevo-me a chupar uma jabuticaba. Suculenta e doce. Refletindo sobre origem e sabor, ouço a cantoria conhecida: “Baratinho que é legal. Tem de cinqüenta e até de um real”.
São vozes conhecidas de uma dupla, cuja barraca vende condimentos; cominho, erva doce, noz noscada, pimentas de todos os formatos.
Confesso que, semanalmente, dou ares não só em busca do alho e cebola vendidos ali. Há um outro ingrediente que me fascina.
Explico. Mãe e filha são as gentis vendedoras, alegres e cantadoras. Mas, a jovem moça ao moer a pimenta do reino, inclinada à frente, girando a manivela da moenda – uh! - palpitam volumosos seios em generoso decote.

Não há semana que eu não compre um pacotinho de pimenta do reino. Em casa, a mulher já bronqueou: “Homem, pra que tanta pimenta se quase não uso no tempero?”
Não posso explicar-lhe minha doce inclinação pela especiaria. Na pimenta moída, um reino imaginário. Visão belíssima, qual a forma de adquirir o produto. Algumas vezes, entendam, evitando a suspeição da esposa, esqueço o saquinho em banca qualquer.
Repetindo a mesma medida, em dia tão quente como este, sou capaz de apostar que a moça veste camiseta branca de alças delicadas.
Oh, pimenta!
Atendendo o pedido, a bela ligou um botãozinho e a moedeira elétrica fez o trabalho. Malagueta em meus olhos chisparam. Substituíram o moedor manual. Os seios em alto, sem aquele movimento pró-forme, circular; perdoem-me, mas, a pimenta do reino perdeu toda a sensualidade.
E a feira, embora a tenha como obrigação, ficou um tanto sem graça.

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Sobre choro e nó na garganta

Trecho do livro "Dente-de-leão: a sustentável leveza de ser" - Escritor Sacolinha