29 abril, 2005

Mais Poemas!!!

MANDADO
(Santos da Rosa)

Pode crer, Altino
Quantos te deixaram falando...
no ponto
E já era quase a meia-noite.

Te pegaram no estirante
O chicote nada adiantou
Foi mandado.

Quando C parou pra brincar com a molecada
Até lançaram que C devia ser estuprador.
Ta valendo, Altino...
Te dichavam
Mas sentem nojo do teu hálito.

Aí C descolou um trampo
Ficou radiante por um dia
E ficou radiante por um dia
E cansou rápido demais pra sentir tédio.

Poemas C já não pode ler
É uma questão de diploma – dizem os tais.
C falou que tava escrevendo, Altino
Teu sobrinho te perguntou por quê
C não soube responder.
E os caras te disseram:
-Vai encher laje, meu!

Pode crer, Altino
Algumas vezes C teve a sensação fugidia
de estar coçando a verdade
Mas não conseguiu firmar
se a presença desse espírito
Se desvenda na tonelada agonia
ou na alegria afanada
Então C percebeu que desespero
é um primo da esperança.

Segue, Altino..
Cultivando as tuas olheiras
e a vergonha na cara.
A vergonha que te verga os ombros.


CLUBE

Poeta cartão-postal sorridente
Poeta crítico do Estado
Poeta em estado crítico
Poeta presidente latifundiário
Poeta tipo assim
Poeta dando uma de loco
Poeta office-boy da Bolsa
Poeta de um barão
Poeta invejando cineasta
(cineasta invejando poeta)
Poeta de auditório e torcida organizada
Poeta com broche da ONU
Poeta sonhando cidades com seu nome no século trinta
Poeta vendendo chuveiro entre o primeiro e o segundo tempo


CONSAGRAÇÃO

Trancavam as ruas de Lúcifer
Espirrados do inferno
na vazante das contradições da fé.
Embarcados furtivamente no paraíso.

Anjos despertam
entre plumas e flautas
antigas partituras de Exu
para novos santos viciados.
Néctares entornados.
Desvairio.
Luxúria no cais do sossego.
Sobre o rubro céu, esculacho.

Napalm, chuvas ácidas
são clorofila
perante as gotas arrebenta
impregnadas de talco, catarro e pêlos
que banham perplexos animais.
Uivos apavorados
não encontram abrigo
em espinhosos messias
derretidos.

Chove em Santos.

Da mescla
de trevas e frutos
o super-homem
não vem.

JUMBO

Sacolas de cadeias
de supermercados.
pra trazer mistura
pra fazer rabiola

Sacolas de cadeias
de supermercados.
pra jogar o lixo no córrego
pra asfixiar criança

Sacolas de cadeias
de supermercados.
pra embalar fé, paciência, lágrimas
cobertor, sabão, frutas
cigarros

Sacolas de cadeias
de supermercados.
empilhadas no carrinho
no crepúsculo.
passando pela percussão enervante
do clamor das trancas sem fim.

Sacolas de cadeias
de supermercados.
servindo de bola
pros coletes pretos.
cheirando estrago, luzindo.



Visita – Casa de Detenção Provisória 1
Março/2002

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Sobre choro e nó na garganta

Trecho do livro "Dente-de-leão: a sustentável leveza de ser" - Escritor Sacolinha