28 março, 2005

Mais textos.

Solitária

O dia eu não sei. Nem as horas também. Só sei que ouço vozes distantes. Próximas, distantes... Os dias passam pra mim cada vez que o meu cansaço, de não fazer nada, me força a dormir. Nesses dias em que fico aqui, sentado, deitado, só penso. Apenas penso. Pensar cansa sabia? Cansa. Me sinto muito cansado. O corpo, a mente, o espírito. Espírito? Será que ainda tenho? Será que um dia tive? Já fiz muita merda nessa vida. É. Já fiz.
- O que é isso? - De repente passos vinham em minha direção, mas quem? Pra falar a verdade acho que me esqueceram aqui. Devo gritar? É isso, vou gritar.
- EEIIII!!!!, AQUI!! EU TÔ AQUI!!, VIVO!!, LÚCIDO!! Com medo... Com muito medo - Passos vem em minha direção, apressados.
- Graças a Deus, graças a Deus vão me tirar daqui.
- Que é que tu quer miserável? Quer levar pau no lombo? Esqueceu como é? Abre essa porra que vou deixar ele bem quietinho.
Meus ouvidos doeram com o barulho do ferrolho abrindo a cela. Entrou um vento tão frio que tremi. Já as porradas não. Eu já tava acostumado. Não me doía mais. Minha vida na verdade sempre foi apanhar. Apanhei como um condenado a cada passo dela. Agora, eles gostam de bater. Batem forte mesmo. Meu corpo vira um tambor de tanta porrada. Me dá sono, me dá sede. Esse gosto salgado do sangue na minha boca desdentada me dá sede. De súbito, eles param, o cachorro chega a ofegar de tanto cansaço.
- Seu Guarda, me dá água.
- Ah, tu quer água é? Toma seu filho da puta. O miserável tirou a trolha, um cacetão preto ou branco sei lá. Tô quase cego aqui nessa escuridão. Canalha me jorra na cara uma enxurrada de urina podre. Deve ta com alguma doença venérea, vai se foder um dia.
- Matou a sede? Fecha a tranca. Mais duas semanas pra esse bosta no buraco.
É. Pelo menos matou a sensação de estar só. Nem tô sozinho, nem tô pirando. Vou é tirar um cochilo, meus olhos já estão ardendo. A luz cega me incomoda demais. Ai... Eu devia ta na rua, olhando o verde das pracinhas, o mar. Faz muito tempo que não vejo o mar. Nunca mais o vi. Nem minha cidade. Minha mãe, que Deus a tenha, meu velho... Decepcionado como sempre. Dois filhos, um na cadeia e o outro dando a bunda.
- Filho da Puta, Safado! Não tem vergonha, não respeita nem o pai? Viado. Ta nas ruas, fazendo programa.
Saudade das pracinhas... Das criancinhas... Ah como adoro as criancinhas. Tão cheirosas, rosadinhas parecem brinquedinhos. Brinquedinhos que nunca tive. Parecem brinquedos. Que adoro usar. Adoro usar uma criancinha, sua inocência, sua pureza, seu cheiro, hum... Adoro usar uma criancinha.
- Seus merdas! Vocês não me entendem? Vocês não entendem porra nenhuma! Vocês não entendem nada! Me tira daqui seu miserável!! Me tira daqui!
Os passos. Lá vêm eles de novo. Apressados. Graças a Deus, graças a Deus.
- Cala a boca seu merda! Se não eu te apago aí mesmo. Cala a boca!
- Foda-se, eu preciso brincar... Eu preciso de um brinquedinho, olha só como eu fico só de pensar, olha! Eu preciso de um bonequinho.
Ai! O barulho do ferrolho me põe novamente de joelhos e o tambor, que sou eu, tornou-se a rufar. Meu Deus, por que eles não me entendem? Como eu gostaria de um brinquedinho agora, um frágil bonequinho pra saciar minha solidão.
Gilberto Bastos é morador de João Pessoa, Paraíba.
Mais um escritor chegando no projeto.

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