07 novembro, 2004

Crônica/Conto


Documento de desempregado

Roupa de gente, sem frescura de brinco, sem tatuagem, cavanhaque ou barba. No lugar do desodorante, uma pasta cheia de folhas de sulfite com um preenchimento pobre. Pra fechar o pacote, a fome, que morre depois de dois churrascos grego ou hot-dog, acompanhados de uma água tingida, com gosto de nada.
- Qualquer novidade a gente liga tá?
Será que quando aparecer um “Tornado” eles ligaram?
Aja paciência.
“Vinde a mim todos aqueles que estão cansados”.
Então por favor, todos os que estão sem emprego, formem uma fila para subirem.
Que venham os livros de auto-ajuda, e tirem a coragem daquele que quer se matar, por motivos mil.
- E aí Edson, está indo pra onde?
- Trabalhar.
- Do quê?
- De procurar emprego.
Ó pátria falsa idolatrada pelos fatos. Salve, salve os sem-estima.
Virou cultura. Excelentíssimo Papa, e seus companheiros, façam o favor. Canonizem aquela senhora que morreu na fila do posto de solidariedade e dêem a chance para eles dizerem:
- Ô nossa senhora dos desempregados.
E que não fiquem de fora as folhas calendários. Separem aí um dia para eles, é de direito.
- Nome por favor?
- Silvia.
- Idade?
- 23 anos.
- Estado civil?
- Solteira.
- Profissão?
- Desempregada.
Nas agencias o “Exp” ficou famoso:
Ajudante geral: Exp 2 anos
Auxiliar de almoxarife: Exp 1 ano
Empregada doméstica: Exp 3 anos
E na função “Desempregado”, quantos anos de experiência precisa?
- Hei malandro, fica onde você está e mãos para cima. Documentos.
- Está aqui.
- O que é isso?
- Um currículo!
- Você está tirando uma com a minha cara?
- Não estou não senhor, é que documento de desempregado é isso aí.

Ademiro Alves (Sacolinha)

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Sobre choro e nó na garganta

Trecho do livro "Dente-de-leão: a sustentável leveza de ser" - Escritor Sacolinha